DESAFIO DOS ESCRITORES 2017

 

Provocação 4

 

 E agora? Você está entre os sete classificados ou não?

 

Você vai escrever o seu conto na dúvida se estará classificado ou não. Se estiver, parabéns pela classificação e por ter escrito logo o seu 4.o conto. Se não se classificou, ganhou um conto para o seu repertório.

 

Para seu conto deste Desafio o cenário é a Rua das Noivas. O personagem, em vez de um, são dois: gêmeos. O objeto-chave é uma adaga. Cabe a você colocá-los os no liquidificador e extrair um conto vitorioso.

 

A Rua das Noivas, fica na Asa Norte, tem pouco mais de 200m de lojas que comercializam o sonho das noivas. Venda e aluguel de roupas, coiffeur, buffet, filmagem, utensílios domésticos, flores, decoração.

 

Gêmeos será apenas um signo? Serão dois meninos? Duas moças? Um homem uma mulher? Um nasceu durante o dia o outro de noite? São idênticos em tudo ou opostos em tudo? Cabe a você, escritor, responder em forma de conto.

 

 

A adaga é uma espada curta. Não é necessariamente objeto perfurante. Ela é como Brasília, repleta de poder e simbolismos.

UM NOVO PRINCÍPIO

 

Ao deixar a alfaiataria, Breno Sabona acendeu um cigarro para ter alguma companhia até o ponto de táxi. Andava insatisfeito com seu papel junto à loja maçônica da qual era membro. O pai de criação havia sido um importante mestre, não lhe parecia certo que a ordem somente o utilizasse como mero reparador de balandraus danificados.

Do outro lado da Rua das Noivas, o jovem alfaiate pensou ver a si próprio guardando uma grande caixa dentro de um carro, tamanha a semelhança entre ele e um cliente que havia saído da Maison Bouquet. Abismado, atravessou a pista e foi conferir de perto aquilo que julgava ser impossível.

O outro homem também reagiu com semelhante estranheza à presença de sua cópia perfeita. Examinaram, estremecidos, seus narizes núbios, olhos encovados e lábios proeminentes. Eram idênticos. Passado o espanto inicial, disseram seus nomes, mais por curiosidade do que por cortesia. O sósia se chamava Afonso Cordeiro. Vivia em Petrópolis, mas se casaria em Brasília, cidade onde sua noiva e ele haviam nascido.

Arrebatado pela novidade, Breno convidou Afonso para um chope no bar Poizé. Afinal, precisavam aliviar-se do susto e desvendar o mistério refletido em seus rostos. Após conversarem por duas horas ─ muitas vezes sendo interrompidos por um animado grupo de madrinhas ─, descobriram que ambos nasceram no mesmo dia e haviam sido retirados do orfanato Casa de Ismael por suas famílias adotivas.

— É isso! Somos irmãos. Se você também não tiver tatuagens ou grandes cicatrizes, poderia até casar no meu lugar — brincou Afonso. — Preciso ligar para Micaela!

— Sua noiva?

— Sim. Casaremos em julho. Vim buscar seu vestido.

— Não é supersticiosa?

— Você não imagina o quanto! Mas a caixa foi devidamente selada. Acho que passarei em meu último teste de fidelidade antes de nosso enlace.

— Me fale sobre ela. Como é? Do que gosta?

― Micaela… ― suspirou Afonso sem reprimir a satisfação que a simples pronúncia daquele nome lhe causava. — Me apaixonei por uma doida ligada em magia wicca, uma acumuladora crônica de artefatos esquisitos.

― Sério? ― duvidou Breno, divertido. ― Então, talvez, eu tenha o presente perfeito de casamento. Explico. Além de alfaiate, sou maçom. É provável que ela se interesse por algo utilizado em nossos ritos.

― Maçom? — surpreendeu-se Afonso — Como no livro do Dan Brown?!

― Aquilo é uma bobagem. Não formamos uma sociedade secreta, mas discreta. Não há segredo algum. Também não somos conspiradores nem assassinos, apenas homens livres em busca de um novo princípio. Tenho certeza de que sua noiva gostará de ter uma adaga maçom em sua coleção ― sugeriu Breno com uma piscadela.

― Adaga maçom?! Ela vai surtar! Cara, se meus velhos ainda fossem vivos, ficariam felizes por nós dois. Um irmão. Tenho um irmão gêmeo! Olha, estou hospedado aqui perto, no Athos Bulcão. Micaela chegará amanhã para experimentar o vestido e, depois de meio-dia, irei conhecer meus sogros e cunhados. Almoce com a gente. Será uma surpresa e tanto!

― Calma, meu duplo! Primeiro, vamos tirar esta história a limpo. Deve haver registro de nossa passagem pela Casa de Ismael. É prudente investigarmos. Daí, se confirmarmos o que está escrito em nossas caras, você me leva de convidado surpresa no seu casamento. Fechado?

— Deus! É como se eu ouvisse minha própria voz em um gravador! — surpreendeu-se Afonso antes de conferir o relógio. — Breno, estou atrasado. Nos encontramos amanhã? Preciso ir. Tenho um pen drive com vários vídeos de meus irmãos e também dos parentes da Micaela. O editor quer o material ainda hoje.

― Ei! Ainda nem sequer comparamos nossos mamilos e você já está tentando se livrar de mim? Minha alfaiataria é logo ali. Há uma pequena sala nos fundos cheia de objetos deixados por meu pai, inclusive adagas ritualísticas. Vamos, deixe seu irmão lhe fazer uma primeira gentileza.

— Seu pai não se incomodará?

— Meu pai está morto. Não há mais judeus no negócio da família.

Inebriado por sua notória embriaguez e pelo caráter inusitado daquele encontro, Afonso permitiu que Breno o guiasse pela Rua das Noivas até a oficina, a duas quadras dali. Esquivando-se de ternos dependurados, tentavam conter o riso com as mãos, mas era inútil. Às gargalhadas, adentraram um cômodo abarrotado de livros, estandartes, chapéus exóticos e aventais com símbolos milenares. Breno fez correr a gaveta de uma mesa em mogno e revelou a Afonso um fino tecido negro bordado com imagens de sóis e luas dourados. Sob o pano, descansavam quatro belas adagas.

― Escolha uma ― disse Breno, com um olhar matreiro.

― A prateada é linda.

Ofuscado pela preciosidade das relíquias, Afonso nem sequer viu o movimento do braço de seu anfitrião no instante em que este o atingiu na nuca com uma menorá, fazendo com que caísse desmaiado. Depois de se utilizar do corpo prostrado para montar uma cena de crime macabra, Breno vestiu-se com as roupas de sua vítima e manteve o rosto empedernido ao passo que enterrava com vagareza a adaga no peito gêmeo.

— Enjeitados não têm irmãos.

O assassino chegou ao hotel Athos Bulcão dirigindo com naturalidade o carro de Afonso. Ao recepcionista, disse ter perdido a chave e solicitou que o mensageiro o acompanhasse até a suíte, levando a caixa com o vestido de Micaela. Depois de acomodado, fumou descontraído enquanto decorava os nomes e rostos presentes nos vídeos caseiros. Dormiu satisfeito e sem remorso sobre a cama que, muito em breve, dividiria com a futura esposa de um homem morto.

No dia seguinte, a diarista responsável pela limpeza da Alfaiataria Sabona chamou a polícia após encontrar, na salinha dos fundos, um cadáver de olhos vendados, sem um dos sapatos, vestido em trajes cerimoniais e com uma adaga cravada no peito. Durante a perícia, os investigadores se convenceram de que o jovem proprietário havia sido executado por um colega maçom em um ritual bárbaro.

Não tão longe da Rua das Noivas, Micaela havia trancado seu futuro marido do lado de fora do quarto a fim de experimentar o vestido de casamento. Uma vez sozinha, lamentou:

 

— Ele voltou a fumar.

 

Emerson Braga

sábado, 19/08/2017

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