PALAVRAS QUEBRADINHAS

Pedro Sabiá acordou naquele dia sentindo borboletas voarem em sua barriga. Estava nervoso. Era o primeiro dia de aula em uma nova escola de canto e ele temia que os outros alunos descobrissem o seu segredo. Não era um passarinho malvado e nem escondia uma identidade secreta. Também não tinha uma asa maior do que a outra ou uma cauda com penas de espanador. Não, não, não. Seu segredo não era algo que pudesse ser visto, e os outros pássaros apenas o descobriam quando ele abria o bico.

 

― O que há com você, meu sabiazinho? ― perguntou a mãe de Pedro antes de deixarem o ninho. ― Não precisa se preocupar. Todos gostarão de você. Vamos lá! Aqueça suas asinhas, pois não é bonito chegar atrasado logo no primeiro dia de aula.

 

A escola de canto ficava em um salgueiro frondoso, com uma folhagem que caía sobre as águas de um lago onde os passarinhos se refrescavam durante o recreio. Parecia um lugar feliz. Mas seria um lugar feliz para um sabiá com um segredo?

 

― Você deve ser o aluno novo. Por favor, entre! ― disse dona Rolinha ao reparar no passarinho que espiava pela abertura no tronco onde ficava a sala de aula.

 

Meio atrapalhado, Pedro caminhou até a lousa repleta de notas musicais e lá ficou de pé, enquanto as outras avezinhas observavam-no. Percebendo que o novato não se apresentaria sozinho, a professora de canto pediu para que ele dissesse seu nome à turma.

 

Mas, se abrisse o bico, todos descobririam o que deveria permanecer escondido! Sem saber o que fazer, Pedro pegou o pedaço de carvão que dona Rolinha trazia em sua asa e, sem perder tempo, escreveu o próprio nome no quadro. Os outros alunos riram e a professora pediu para que parassem de arrulhar.

 

― Sua letra é muito bonita ― elogiou dona Rolinha ―, mas queremos ouvi-lo. Por favor, nos diga como se chama, pequenino.

 

Não tinha jeito. Pedro estava em uma grande enrascada. Se já haviam rido quando ele escrevera seu nome na lousa, o que fariam quando ouvissem a sua voz?

 

― Estamos esperando, rapazinho! ― insistiu a professora.

 

― Pe-pe-pe-dro Sa-sa-sa-sabiá.

 

Primeiro, fez-se um grande silêncio. Mas, logo em seguida, a passarinhada gargalhou à vontade da maneira diferente com a qual o novato falava. Ao perceber que as risadas deixavam Pedro muito triste, dona Rolinha pediu silêncio à turma e indicou um lugar para que o sabiazinho se aninhasse.

 

― Do que exatamente vocês estavam rindo? ― quis saber, muito séria, a professora.

 

― De na-na-nada, do-do-do-na Rolinha! ― zombou Carlos Curió, olhando de canto de olho para o novato.

 

― Isso não tem graça, Carlos! ― advertiu a professora ― Você também não gostava quando os seus colegas lhe chamavam de bico-torto!

 

Desconcertado, o engraçadinho escondeu o rosto com a asa e lembrou-se de quando ele mesmo era o motivo das risadas.

 

― Nenhum de vocês aqui é igual ― explicou dona Rolinha. ― Uns têm mais penugem, outros são mais peladinhos, uns dão voos altos, outros, só voos rasteiros. Enfim, cada um tem o seu jeito, não é mesmo? Não é certo rir de quem é diferente da gente. Pelo contrário, podemos aprender com as diferenças!

 

― E o que esse gaguinho poderia nos ensinar, professora? ― Provocou Rita Canário, dona da voz mais bonita da sala. ― Ele nunca vai aprender a cantar!

 

― E-e-e-eu já-já se-sei can-can-tar... ― disse Pedro bem baixinho, com vergonha de seu jeito especial de falar.

 

― O que foi que ele disse? ― quis saber o curioso do Felipe Rouxinol.

 

― Ele disse que sabe cantar! ― exclamou Carlos Curió. ― Como um sabiá que fala palavras quebradinhas poderia ser bom cantor?!

 

Mais uma vez a turma inteira caiu na risada. De tanto gargalharem, uns até choraram. Dona Rolinha não sabia mais como controlar seus alunos, que voaram para fora da sala e, pulando de galho em galho, atiravam sementes e frutinhas uns nos outros. Foi quando uma bela voz revelou-se mais poderosa do que a algazarra da maioria que, aos poucos, decidiu ficar bem quietinha.

 

O canto de Pedro Sabiá fluía naturalmente, como se as notas musicais não enfrentassem dificuldade ao sair de seu bico quando levadas por uma canção. De repente, tocados pela melodia, os demais passarinhos acompanharam Pedro e também assobiaram em perfeita harmonia.

 

Ao final da música, as aves bateram asas e Pedro Sabiá, finalmente, sentiu-se parte da escola de canto.

 

― Esta será a lição mais importante do primeiro dia de aula, meus talentosos cantores ― observou dona Rolinha com satisfação.

 

― Que quem fala palavras quebradinhas canta muito bem? ― brincou Felipe Rouxinol.

 

― Não, rapazinho! A lição é que, quando damos ouvidos àqueles que são diferentes, nos tornamos todos iguais.

 

― Vi-vi-viva! ― exclamou Pedro voando pela sala na companhia de seus novos amigos.

 

Emerson Braga

 

Sexta-feira, 01/06/2018

Comments: 1
  • #1

    Edson (Friday, 14 December 2018 13:19)

    Docemente sabiá... Sensacional