NÃO SOMOS SANTOS, MAS MERECEMOS RESPEITO!

 

Devido a procissão alusiva às comemorações do Dia de Nossa Senhora de Fátima, a logística do trânsito da cidade de Fortaleza foi brutalmente alterada, no dia 13 de maio, para garantir a segurança dos fiéis. 

Nas proximidades da Igreja do Carmo, local de onde saiu a procissão, o estacionamento nas ruas Major Facundo, Meton de Alencar e Barão de Aratanha foi proibido. Também foi bloqueada a Rua Major Facundo no cruzamento com a Av. Duque de Caxias. 

A procissão se iniciou às 18h e passou pelas ruas Major Facundo, Meton de Alencar, Barão de Aratanha e Av. 13 de Maio, que ficam interditadas no momento da passagem dos fiéis, sendo liberadas somente depois. 

Durante a realização da missa campal, após a procissão, a Av. 13 de Maio teve a pista nos dois sentidos bloqueada, entre a Rua Jaime Benévolo e o viaduto da Av. Pontes Vieira. Os desvios foram feitos pela Av. Luciano Carneiro e Rua Mário Mamede e pela alça do viaduto da Av. Aguanambi e Av. Eduardo Girão. 

Quem estava voltando do trabalho, enfrentou um verdadeiro inferno no dia sagrado. Independente dos transtornos causados por uma festa que não representa os fortalezenses (pois nem todos são católicos), o descaso com a classe trabalhadora seguiu sob as bênçãos da santa. Graças a deus. O bom andamento da comemoração religiosa também foi garantido pela polícia, boa cristã que é. Amém.

Dois dias depois da festa da fé, nova multidão ganhou as ruas de Fortaleza, desta vez para reivindicar o passe-livre dos estudantes. 

Um grupo de 600 manifestantes se reuniu na frente do Instituto de Educação e tentou seguir pela Avenida dos Expedicionários. Deparou-se com o mesmo braço armado que havia garantido o bom andamento da procissão da santa e o bloco foi impedido de passar. Houve confronto. Os policiais do BPChoque passaram a atirar bombas de efeito moral e alguns estudantes reagiram com pedradas. Os bíblicos Davi e Golias, em nova luta desproporcional e injusta. A polícia poderia ter deixado a manifestação seguir, pacificamente, poderia ter agido de boa fé, como na festa da santa. Mas preferiu transformar uma caminhada pacífica em um campo de guerra, a fim de desvirtuar o protesto aos olhos da sociedade. 

Parte dos policiais foi até a frente da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), pois existia a informação que o grupo iria protestar na frente do órgão. A fim de evitar novo confronto, os manifestantes desistiram de seguir para a Etufor – templo sagrado do descaso com a classe estudantil – e correram para o Instituto Federal de Educação e Tecnologia (IFCE). 

Os policiais foram novamente para a Avenida Treze de Maio, onde ocorreu o segundo confronto. Em sua guerra santa, o BPChoque utilizou bombas e balas de borracha para acabar com a manifestação e parte dos manifestantes se dispersou, mas um grupo – coagido pela polícia e também a fim de prosseguir com o exercício do direito de manifestar-se –  se viu obrigado a invadir o IFCE e permaneceu sitiado no local, durante três horas.

Os policiais fecharam a via e os ônibus, coletivos alternativos e automóveis que tentavam passar foram impedidos de continuar o percurso e voltaram ou realizaram um desvio. 

A situação causou um grande engarrafamento na Avenida Treze de Maio, de fazer inveja ao cortejo da santa. Sem desistir de lutar por seus direitos, mesmo que aprisionados em uma democracia de brinquedo, os manifestantes atearam fogo em pneus nas ruas para dificultar o avanço das tropas, que se revelavam cada vez mais cobertas de bênçãos e gestos celestiais. 

Por volta das 20h18 o BPChoque conseguiu retirar o grupo de manifestantes que estava fazendo uma barricada humana na via. O comandante da operação do BPchoque deu por encerrado a operação e destacou que a ação foi um sucesso. 

Somente um homem fardado e a serviço de um estado que se comporta ditatorialmente para considerar “sucesso” uma operação que visou impedir que jovens fortalezenses exercessem sua cidadania e se manifestassem nas ruas, como é natural em qualquer democracia, mesmo a mais embrionária. 

O mais curioso é que a população de Fortaleza – a mesma população que permitiu que uma festa religiosa privilegiada, em detrimento das demais religiões, parasse a cidade – demonstra hoje total antipatia pelo gesto dos estudantes, por lutarem por seus direitos, por não esperarem por milagres. 

Por que a polícia também não estava lá para garantir o bom andamento da manifestação? Onde estava a AMC que garantiu bloqueios e desvios a fim de garantir a Procissão de Fátima? Por que somos tratados como criminosos sempre que exercemos a mais bela manifestação de cidadania, que é ganhar as ruas, unidos, em um só grito? Apenas as demandas dos fiéis da santa merecem ser atendidas e tratadas com respeito?! 

Nós não queremos milagres, queremos justiça social! E não nos curvaremos sob a chibata da tropa de choque e nem sob os castigos divinos que, dizem alguns, merecemos. 

Se rebelar-se contra o que há de imoral e torpe na gestão de nossa cidade é um pecado, então que queimemos todos no inferno! 

Não somos santos, somos cidadãos e merecemos respeito. Estamos cansados de viver ao Deus dará. 

 

16/05/2014, sexta-feira

 

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