LIMBO DAS PEGAÇÕES

 

Primeiro, o corredor escuro. Depois, a fumaça aromatizada. Os entendidos se entregam à noite intumescida e, mesmerizados pelas luzes que piscam como explosões cósmicas, gritam dispersando novos universos sobre pensamentos entorpecidos. A pele tremula febril enquanto meu corpo prepara-se para a dança do acasalamento.

 

Com seus músculos resplandecendo sob os holofotes, as bichas bombadas agitam as camisetas acima de suas mentes que só pensam em rapazes franzinos e de paus enormes. Inundadas por hormônios equinos, transpiram besuntadas, amanteigadas, envernizadas para a truculenta trepada da noite. Com suas bundas projetadas por um ramo do fisiculturismo que fabrica estivadores, precisam ser enrabadas com tremenda urgência, antes que a idade as transforme em obsoletas peças de abatedouro.

 

Próximas ao banheiro, as afetadas arquitetam emboscadas enquanto descrevem suas façanhas sexuais que envolvem homens casados. Distraídas da própria dor, aguardam por boyzinhos encharcados de álcool batizado. De bocas escancaradas, postas de joelhos ao lado dos mictórios, recebem o corpo e o sangue que as condena a regular sensação de pecado. Apenas o esporro proporciona-lhes a amnésia capaz de silenciar recalques. Em banheiros públicos, todo gozo absolve e é santo.

 

Um michê atira seu charme para ninguém na pista de dança. Corre as mãos pelo próprio corpo e, de olhos fechados, procura por clientes dispostos a esvaziar suas carteiras. Putos merecem cada centavo que nos arrancam, pois não nos cobram nada além da paga pelos serviços que nos prestam. Também não nos telefonam quando queremos estar sozinhos e em silêncio e nem nos contam histórias tristes. Não nos perguntam sobre os hiatos de nossas vidas, não nos respeitam, não nos amam. Michês não são homens, são punhetas incrementadas. Ele me olhou por mais de cinco segundos, mas estou quase liso. Outra dose de vodca, por favor.

 

Não quero voltar à pista de dança impregnada de mil caras com quem já fiquei e dos quais nem sequer recordo o nome. Eles dizem com os olhos que não se esqueceram da minha cara de tédio, que a transa foi maravilhosa ou que foi um completo desastre. Como se me cumprimentassem, julgam o tamanho de meu pau e a quantidade de pelos que tenho na bunda. Nada sabem sobre mim, a vodca não me deixa transparente. Não repito homens. Não gosto de tê-los deitados duas vezes sobre minha nudez branca de morto. Sinto vergonha e medo do homem de ontem, sua existência evidencia minhas faltas. Preciso ir aonde não me enxerguem, estou cansado de tantos rostos, todos parecem espelhos, todos me assombram.

 

A sala escura é um convite para a invisibilidade e eu não o resisto. Somos todos cegos no castelo, fantasmas sem cara, apenas forma e cheiro. Com os sentidos desnorteados, tateio as paredes. Há armadilhas pelo caminho, há doenças venéreas, há mau hálito. Um tronco se põe diante do meu e nossas musculaturas retesam-se. De seu topo salta um rosto invisível que faminto se aproxima do meu. Convido sua boca para entrar na minha, enquanto meus dedos escorrem por cabelos gordurosos, cacheados. Ele não faz a barba há alguns dias. Suas mãos apertam minha bunda com uma pegada impetuosa. Outra língua lambe minha orelha e retribuo o gesto com um gemido. Agora somos três. Tenho a blusa desabotoada enquanto meus parceiros erguem suas camisas acima do peito. Baixando nossas calças até a altura dos joelhos podemos, enfim, nos reconhecer. Dentes sobre um de meus mamilos quase me levam às lágrimas. Eriçadas, as células mortas de meu corpo ressuscitam de tanto sim. O outro me engole da glande aos pelos pubianos, e me sorve, às pressas, seivas genitais. Teme a própria consciência ou que o namorado o surpreenda. Transformados em três gemidos, três tecidos nervosos, nos desumanizamos: Amantes que sob o jugo da claridade jamais se amariam. Outro sujeito lambe minha axila, bebe de meu suor e passa a língua quente sobre minha cara. Sua boca tem cheiro de urina, mas não me importo, pois nos tornamos quatro. Rendido e atirado ao chão, sou currado com agressividade. Mordo meu lábio inferior e permito que me culpem pela vida que não têm. Não é a mim que eles punem, por isso aguento satisfeito e obediente o castigo. Sou sua redenção, sou a prova de que não são inúteis ou fracos. Não no escuro. Não agora.

 

Já não sei quantos somos. Sinto uma demente coletividade de bocas sobre minha bunda e dentadas vigorosas fazem meu pau latejar sem culpa. Nossos dedos se revezam nômades dentre lábios e cus que se confundem em uma massa de fluídos plangentes, empanturro-me da mesma paz que protege de nossa incômoda presença toda gente dita normal. As secreções emergem por todos os lados. Uns gritam, outros choram, alguns riem, todos afetados pela mesma saborosa dor, pelo mesmo suculento desencanto. Gozamos em nossas bocas, pernas, bundas, costas, barrigas, peitos, caras, almas. O crime transformado em remissão. Nós, seres notívagos, cúmplices no desespero de existir.

 

Recompostos, saímos pouco a pouco, um a um, a fim de não nos encaramos. Resta-nos nada mais que um segredo. Um segredo que se repete no infinito, com pessoas diferentes, que sempre interpretam as mesmas personagens. Nada de mal irá nos acontecer, estamos protegidos pela ausência de luz.

 

Mais tarde, caminharei dentre as pessoas normais como se fosse uma delas. Conversaremos amenidades, riremos juntos, como bons amigos. Elas não se importam com o que eu faço em meus lugares escuros, desde que eu seja educado e comedido quando exposto à mesma claridade que os ilumina.

 

Gostaria que as luzes se apagassem para sempre. Talvez imerso em uma escuridão eterna eu jamais tivesse de voltar a caminhar sobre ovos, a deitar sobre camas de prego com o infeliz propósito de entreter aqueles que me hostilizam enquanto sorriem.

 

 

Emerson Braga

Segunda-feira, 11/09/2017

 

 

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