CUPINS NO AQUÁRIO

 

Sentia tanto medo do mar que se afogou em desespero ao molhar a ponta dos pés. Pensou em fugir, mas a coragem veio em ondas e fez com que ela naufragasse os tornozelos até o fôlego abandonar seus pulmões. Quase morreu asfixiada. De repente, pensou que viver talvez não fosse um risco desnecessário.

 

Em um salto mortal, suas panturrilhas mergulharam no desconhecido e, desta vez, o temor surgiu de um modo novo, quase sensual. Sorrir não poderia. Temia se distrair e acordar submersa em si mesma, que jamais fora salgada e muito menos profunda. Sempre doce. Sempre rasa. O prazer inesperado ─ esse libidinoso ladrão ─ estava lá. Tocou seus joelhos como a lamberia a língua de um amante há poucos dias saído de uma prisão chamada inexistência. Joelhos virgens e molhados de água da boca, água-viva. As coxas arderam, e era bom. Pouco parecia, mas ela ainda tinha medo.

 

Alguém gritou: Olhem a matuta!

 

 O oceano tocou sua vulva e disse: Não tema. Ao que ela respondeu: Eu quero. O mar a desvirginá-la, cansado de sereias frígidas, de marujos broxas, inundando precipícios abissais que nem mesmo os dedos dela. Nem mesmo. Então é isso que é uma mulher?, duvidou o mar. Então é isto que é uma mulher?, descobriu ela. E para que me servem os dedos se a água que sepulta marinheiros cabe toda em meu umbigo? E como faz cócegas! Não rio. Não posso. Que riam de mim, a matuta.

 

Em uma carícia de mãos cansadas, famintas, uma onda afagou seus seios. O som do mar ─ esse gemido de ancião que não dorme direito, que ronca, que ressona ─ reverberou nas mamas. Os peitos desbravando o oceano-colostro que poderia dissolvê-la e assimilá-la, se assim quisesse. Mas ele não quis. Preferiu observar até onde ela iria com aquelas hipotéticas negações de quem acabara de atravessar um deserto. 

 

A areia parecia distante e ela flutuou, esquecida que só devemos abandonar a terra quando afetados pela certeza da proximidade do céu. Um colar feito de água envolveu seu pescoço e a mais libidinosa das carícias roçou a nuca quase por completo submersa. Ela ergueu a cabeça e fixou os olhos no azul para o qual, naquele decisivo instante, havia decidido partir. O sal do mar misturado ao das lágrimas. Em silêncio, ela se deixou afogar, e respirou, pela primeira vez, aliviada.

 

Salvem a matuta, gritou um homem cuja voz lhe pareceu contaminada por uma piedade áspera e vulgar. Ela se fez de surda diante do apelo e desapareceu sob as espumas. Antes de perder a consciência e adormecer livre da própria concha, pensou: Eu começo aqui.

 

 

 

Emerson Braga

quinta-feira, 03 de agosto de 2017

 

Comments: 0