AMARO E ALEIXO

 

  

Amaro era o único animal de estimação em uma casa sem crianças. Sua dona, Vó Carolina, nem sequer percebia que havia muito tristeza dentro daquele aquário. Ah, quase que eu me esquecia de dizer: Amaro era um peixe. Um peixe ornamental.

 

― Não gosto que me chamem assim! ― reclamava para as algas artificiais que enfeitavam a caixa de vidro em que vivia. ― Ornamental! Ora! Por acaso eu sou de plástico, como vocês?

 

Sem a companhia de outros peixes, sonhava com o momento mágico no qual encontraria um amigo. Mas queria tê-lo lá fora, onde nadariam juntos e em liberdade pelos córregos e igarapés.

 

― Moro em uma prisão ― queixava-se às pedrinhas coloridas e incapazes de alegrar seus longos dias. ― Se a vovó ao menos pudesse entrar aqui para brincar comigo... 

 

Um dia, dona Carolina recebeu uma importante encomenda. O entregador trazia em suas mãos algo coberto por uma lona de náilon. Depois de dar uns trocados ao rapaz, a velhinha escolheu um lugar próximo à porta da sala e, antes de pendurar o misterioso objeto, removeu a capa.

 

― Outro prisioneiro...! ― exclamou o peixe ao ver a gaiola dourada que guardava um belo canário.

 

― Cante para mim, Aleixo! ― pediu a senhora, assobiando para a avezinha assustada.

 

Ao perceber que o pássaro não iria abrir o bico, dona Carolina tentou acalmá-lo:

 

― Seja um bom presente para minha neta, querido. Não precisa cantar para mim, eu já quase não escuto mesmo. Mas, por favor, cante para a Carminha quando ela vier buscá-lo. É uma boa garota e cuidará muito bem de você.

 

Depois que Vó Carolina foi preparar um chá para receber suas amigas de costura, Aleixo suspirou olhando ao redor com tristeza. Não havia árvores ou arbustos, nem nuvens brancas ou o azul do céu. De que adiantava ter asas, se não poderia voar? Com saudades da mata em que vivia, o passarinho chorou.

 

― Não fique assim! Glub! ― disse uma voz tentando confortá-lo.

 

― Quem disse isso? ― perguntou-se Aleixo, enxugando as lágrimas com as penas da sua asa.

 

― Aqui embaixo! Glub! ― respondeu Amaro, pulando para fora do aquário a fim de fazer amizade com a ave recém-chegada.

 

Quando viu aquele rostinho sorridente sobre o espelho d’água, Aleixo ficou tão feliz que cantou, e cantou e cantou o mais alto que pôde. Ao ouvir aquela incrível apresentação, Amaro fez acrobacias engenhosas, saltando tão alto quanto os golfinhos do mar.

 

― Como sua voz é bonita! Glub!

 

― E você? Como faz para saltar tão alto?! Parece até que sabe voar!

 

Os dois passaram o dia inteiro feito grandes amigos. Amaro descrevia a aparência do leito dos rios, dizendo como era bom viver sob o frescor das águas, enquanto caçava larvas deliciosas. Sem ficar para trás, Aleixo revelou a sensação de voar mais alto que as palmeiras, de onde assistia ao nascer do sol antes de procurar insetos nas reentrâncias dos troncos das árvores. Quanto mais falavam, mais assuntos tinham.

 

Vó Carolina e suas convidadas ainda passavam as agulhas por uma bem trabalhada colcha de retalhos quando ouviram o canário cantar com desenvoltura. Mal sabiam elas que tudo aquilo, na verdade, era uma boa conversa entre dois amigos que descobriam, aos poucos, o prazer de ter uma boa companhia.

 

Os dias se passaram e os bichinhos ficaram ainda mais afeiçoados um pelo outro. Amaro queria ter asas e voar para a gaiola de Aleixo. Aleixo sonhava em ter guelras e nadar no aquário de Amaro. Também pensavam em fugir para longe dali, mas, mesmo se conseguissem, será que poderiam ficar juntos? Por mais poderoso que fosse o amor entre um peixe e um pássaro, onde eles viveriam? Que dó! Aquela bela amizade, às vezes, parecia impossível.

 

No dia do aniversário de Carminha, dona Carolina recebeu a neta com bolo de fubá e suco de laranja. A menina, cheia de energia, corria pela casa e perguntava por seu presente. A avó não entendia o porquê de tanta pressa, ao que a jovenzinha explicou:

 

― Estou ficando muito velha, vovó! Não tenho mais tempo para esperar.

 

Ainda rindo da gaiatice da menina, Vó Carolina entregou-lhe a gaiola em que Aleixo vivia. Assustado, o passarinho olhou na direção de Amaro e sacudiu suas asas contra as grades. Em seu aquário, o peixinho nadava de um lado para o outro, como se tentasse alcançar o amigo que levariam embora. Percebendo o que acontecia ― pois há coisas que apenas as crianças entendem ― Carminha olhou para a sua avó e perguntou com olhos pidões:

 

― Posso ficar com o peixinho também?

 

― Somente se prometer cuidar muito bem dos dois, meu estalinho!

 

― Eu prometo, vovó. Mas não quero que você fique só...

 

― Tenho minhas amigas de costura, Carminha! Não se preocupe. Pedirei a seu pai para que ele coloque o aquário na sala de sua casa e a gaiola no lindo jardim que sua mãe cultivou.  

 

― Não, não, não! ― protestou a garota ― Eles ficarão juntinhos perto da janela do meu quarto, em cima do baú. De lá dá pra ver o quintal, não dá, vovó?  

 

― Dá, meu amor. Você escolheu um bom lugar.

 

E assim aconteceu. Amaro e Aleixo viveram por muito tempo, lado a lado, no quarto da pequena Carminha. A menina às vezes se confundia e trocava as rações dos bichinhos, mas isso não era problema para eles dois, que se divertiam com as trapalhadas de sua nova dona. Eram felizes por estarem juntos. E, a cada dia que se passava, a gaiola ficava mais parecida com um rio e o aquário ainda mais próximo do céu.

 

Emerson Braga

 

Quinta-feira, 07/06/2018

Comments: 1
  • #1

    Maria ticiane Sousa (Thursday, 19 December 2019 15:22)

    Segunda vez que leio seu conto e o encanto é exatamente o mesmo da primeira vez